A guerra da Vendéia (em francês: guerre de Vendée, 1793–1795) foi uma guerra civil e contrarrevolução ocorrida na Vendeia, região costeira localizada no sul do vale do Loire, oeste da França. Aconteceu durante a Revolução Francesa e mais particularmente durante a Primeira República, quando houve enfrentamentos entre católicos e realistas, de um lado, e republicanos, de outro. A insurreição é intimamente ligada à chouannerie, que também opôs revolucionários republicanos e monarquistas da França e teve lugar na Bretanha, no norte do país. O conjunto desses dois conflitos é às vezes referido como Guerras do Oeste. A chouannerie se desenrolou na margem direta do Loire, enquanto a guerra da Vendeia teve lugar na margem esquerda.
Assim como toda a França, foi palco de manifestações de camponeses entre 1789 e 1792. Tais manifestações foram fortalecidas em 1791, após o Papa Pio VI condenar a Constituição Civil do Clero,[4] decreto de 1790 que determinava a secularização dos bens da Igreja e a supressão dos votos religiosos. No entanto, a insurreição eclodiu apenas em março de 1793, quando a Convenção Nacional ordenou o alistamento compulsório (levée en masse) para reforçar as tropas na guerra travada contra monarquias europeias. O descontentamento com essa convocação se somou à insatisfação gerada pelos altos impostos, pelo confisco das terras da Igreja e pela morte do rei Luís XVI, executado em janeiro de 1793.[5]
A natureza da insurreição dividiu as opiniões dos historiadores a partir do século XIX. Reynald Secher popularizou a tese de que a morte de católicos vendeianos pelo estado anticlerical francês, no fim da guerra, foi o primeiro genocídio moderno,[6] mas essa afirmação tem sido objeto de controvérsia.[7] O historiador Daniel Gomes de Carvalho aponta que a Guerra da Vendeia é um tema polêmico no que concerne à história francesa, justamente porque não tem uma interpretação consensual sobre o conflito.[5] Jean-Clément Martin considera que a Guerra Vendeia foi, muitas vezes, rotulada como sendo um dos períodos auges do “terror”.[8] Entretanto, para Martin, Vendeia foi fruto de um vácuo de autoridade, inclusive por ser uma zona imprecisa geográfica e politicamente. Várias das mortes ocasionadas no conflito decorreram de ações independentes dos tribunais e não de uma política institucionalizada do terror. As causas da revolta também são objeto de discussão. Michael Biard e Marisa Linton afirmam que a tese dominante em grande parte da historiografia, de que se tratou de uma insurgência local contra a República inspirada por padres católicos e nobres e apoiada pelas potências que estava em guerra com a França foi uma invenção política sustentada por duas correntes opostas: uma que afirmava que o conflito tinha base contrarrevolucionária e outro que ela tinha emergido espontaneamente. Eles creditam a guerra civil à uma série de fatores presentes nessa região que confluíram para eclosão do conflito: importância social do clero, hostilidade rural contra as burguesias urbanas; frustrações com a venda dos bens nacionais; decepção com as reformas tributárias; diferenças sociais no campesinato; conflitos trabalhistas; questões relativas à manutenção da ordem no campo; e a resistência ao alistamento forçado.[9]
Os insurgentes obtiveram importantes vitórias militares durante a primavera e o verão de 1793, conseguindo invadir as cidades de Fontenay-le-Comte, Thouars, Saumur e Angers. Porém, encontraram resistência em Nantes, a principal cidade da região. Durante o outono desse ano, o lado republicano foi reforçado pelo exército de Mainz e conseguiu conquistar a cidade de Cholet, que estava sob domínio dos vendeanos. Após a derrota, grande parte das tropas insurgentes cruzou o Loire em direção à Normandia, na tentativa de tomar um porto para facilitar a obtenção de ajuda dos britânicos e do exército de emigrados. Empurrado para a comuna de Granville, o Exército Católico e Real foi derrotado em Mans-et-Savenay no dia 23 de dezembro de 1793 pelo general revolucionário François Westermann.
Nos meses seguintes, houve violenta repressão aos vendeanos por parte das forças republicanas. Há registro de 7.013 execuções pós-julgamento na região: 3.458 em Nantes, 1.836 em Maine-et-Loire, 1.616 na Vendeia e 103 em Deux-Sèvres.[5] Além disso, também foram utilizados alguns instrumentos ligados ao terror, como afogamentos em Nantes, tiroteios em Angers e massacres realizados nas áreas rurais, onde foram incendiadas várias aldeias e propriedades pelas “colunas infernais”.[10] Considerando ainda as mortes em batalhas, estima-se que mais de cem mil vidas foram perdidas nos conflitos.[5]
A repressão fomentou a resistência e, embora enfraquecidos, grupos insurgentes vendeanos continuaram a lutar contra as tropas revolucionárias, empregando táticas similares às de guerra de guerrilha.[10] Em dezembro de 1794 os republicanos iniciaram negociações que resultaram no Tratado de La Jaunaye, assinado por representantes da Convenção Nacional e lideranças vendeanas.[10] Esse fato marcou o fim da primeira guerra da Vendeia, em fevereiro de 1795, mas não pacificou a região.
A Segunda Guerra da Vendeia eclodiu alguns meses depois, em junho de 1795, após o desembarque de emigrados e ingleses em Quiberon.[10] Essa insurreição, contudo, perdeu força rapidamente. As lideranças que restavam na Vendeia foram detidas ou executadas entre janeiro e julho de 1796.
A região da Vendeia abrigou, ainda, breves levantes com uma “terceira” guerra entre outubro e dezembro de 1799, uma “quarta” em 1815, já no período Napoleônico, e uma “quinta” em 1832. Esses outros conflitos, contudo, foram bem menores que a soma das duas primeiras guerras.